A alma de uma campanha são as pessoas que participam dela. E não, não estamos falando (só) da sua equipe.
Quando a gente trabalha em uma ONG, boa parte do nosso tempo é dedicado a escrever propostas de captação de recursos para nossos projetos. Para isso, o mais comum é que a equipe programática se reúna algumas vezes para definir objetivos, a justificativa para o pedido, que atividades serão desenvolvidas para alcançar os objetivos, quais serão os custos e prazos para fazê-lo. Esse é o pacote básico de qualquer projeto.
É bastante comum que outros elementos necessários a um projeto sejam colocados em no "estacionamento" para decidir depois: metas, indicadores de desempenho, calendário de avaliações parciais, como será registrado o andamento das atividades, as conquistas parciais e aprendizados, a divisão de tarefas e responsabilidades, e a alocação do tempo de cada pessoa para a realização do projeto em questão. Estamos sempre correndo contra o tempo - elaborando um projeto novo enquanto implementamos vários outros, e as atividades não podem parar uma semana para fazermos o planejamento completo. Deixamos para depois, acreditando na experiência e intuição das equipes.
Infelizmente, este é um grande erro.
Com raras exceções, as ONGs têm sempre muito a realizar, com recursos limitados em relação ao volume de trabalho. As equipes são (incríveis, mas) pequenas, e o orçamento é sempre menor que o tamanho dos nossos sonhos. Frequentemente, começamos a implementar os projetos sem terminar o planejamento. E é aí que começam as confusões.
Um projeto é, então, um conjunto de esforços, ações e recursos para o alcance de um objetivo. Podem ter um prazo determinado, ou não. Um projeto dentro de uma organização pode ter um ciclo muito longo de financiamentos, e com isso, uma longevidade que se renova. O importante é realizar a mudança pretendida, e isso pode levar décadas.
Uma campanha não deixa de ser um projeto: precisa ter, basicamente, os mesmos elementos que já mencionei, e uma boa estratégia de comunicação alinhada com o contexto em que se insere. Vejamos um conceito de campanha:
Uma campanha é um conjunto de esforços, ações e recursos organizados estrategicamente para se alcançar um objetivo específico, dentro de um prazo determinado. Para ser estratégica, precisa ter um objetivo, metas específicas, uma teoria de mudança definida, um prazo delimitado e um conjunto de recursos alocados.
O grande diferencial é o seguinte: enquanto um projeto pode ser implementado exclusivamente pela equipe de uma organização, uma campanha depende de apoio público para obter sucesso e influenciar atores relevantes, com poder de influenciar no sentido da mudança que queremos ver.
A alma de uma campanha, portanto, são as pessoas que participam e são influenciadas por ela.
No mundo das ONGs, os tipos de campanhas mais comuns são as de mobilização, advocacy e captação de recursos. Nos três casos, é comum que um dos objetivos seja a conscientização da audiência sobre um tema específico. Entretanto, erramos quando definimos o objetivo principal de uma campanha como "a conscientização" de quem quer que seja. O objetivo de uma campanha é gerar uma ação para fora, e não um processo interno. Isso, a gente deixa para a terapia.
A conscientização deve ser um caminho para uma ação: um voto eleitoral, o plantio de árvores, o impedimento de algo potencialmente destrutivo, a presença em um evento importante, o envio de cartas a parlamentares... ações. Verbo.
Por isso, mencionei acima que uma boa estratégia de comunicação é um dos elementos que não podem faltar numa campanha, e que deve estar alinhada ao contexto atual.
"A capacidade de pensar e agir coletivamente é um dos grandes diferenciais da espécie. Somos seres comunicantes e nossa vida com os outros está definida pela forma como nos comunicamos", lembra Andrés Bruzzone em seu livro recente, o "Ciberpopulismo: política e democracia no mundo digital". Ele nos lembra, ainda, que "cada avanço nas tecnologias de comunicação teve consequências fortes na forma de organizar as sociedades", como os jornais impressos influenciaram a criação da democracia e a propaganda política ajudou a dar origem ao rádio, por exemplo. E a comunicação digital se infiltrou em todos os aspectos das nossas vidas atualmente.
Peraí só um pouquinho! Antes de correr para montar sua estratégia de comunicação, fica comigo mais dois minutinhos.
Toda estratégia serve para nos levar de um ponto a outro, certo? E para isso, precisamos saber que caminho vamos percorrer. É como planejar uma viagem de carro: precisamos saber de onde vamos sair, aonde queremos chegar e a rota a ser percorrida. Traçamos um mapa considerando quais os caminhos mais rápidos ou mais bonitos, a depender do objetivo da viagem. Evitamos as vias esburacadas para mitigar riscos de acidentes e de danos no veículo.
Numa campanha, essa rota é a teoria da mudança.
A teoria da mudança serve para tornar visível o caminho para que algo se transforme, e para planejar e realizar ações para alcançar essa mudança. No caso das ONGs, geralmente a mudança pretendida envolve alterar a distribuição de poder. E o poder reside em pessoas.
Pois é. As pessoas são mesmo a alma de uma campanha, não tem para onde fugir, ainda mais na era da comunicação digital.
Juntando os pontos: se você quer ver uma mudança acontecer, vai precisar mudar a distribuição do poder. Se o poder reside em pessoas, elas são o seu principal ativo. Seja como aliadas ou como oponentes, elas precisam estar no coração do planejamento da sua campanha, desde o momento zero.
Elaborar uma teoria de mudança pode parecer algo muito complicado, mas diversas metodologias especialmente desenvolvidas para campanhas e projetos do terceiro setor estão disponíveis.
Se você quiser aprender algumas delas ou precisar de ajuda para organizar seu seminário de planejamento, pode contar comigo! Entre em contato!